Treinamento dos servidores públicos pelos EUA para operar lawfare
O processo de influência dos Estados Unidos na América na América latina, recrudesce após a segunda guerra mundial, a partir da doutrina de segurança nacional e cria as condições para o lawfare…
Por Ivete Caribe
Inicialmente, a atuação norte-americana no Brasil tinha como escopo as suas polícias. Na década de 60 firmou-se entre o Brasil e os Estados Unidos o convênio MEC-USAID o qual possibilitou o programa office of public safety. A partir desse programa, cem mil policiais brasileiros foram treinados, dos quais 523 foram enviados aos Estados Unidos para instruções avançadas.
Outro processo, muito mais agudo, diz respeito à existência de espionagem internacional dentro da Polícia Federal brasileira (PF). O procurador Luiz Francisco de Souza defendia, por isso, a criação de uma Comissão de Inquérito Parlamentar para investigar o recebimento de verbas e a atuação de agentes do FBI e da CIA na PF.
Sustentando essa alegação, encontra-se a entrevista concedida por Carlos Costa, que chefiou o FBI no Brasil, à revista Carta Capital. Nela, é expressamente revelado o envio de milhões de dólares para as contas particulares de delegados da polícia federal garantindo, desse modo, a vinculação da PF aos interesses externos dos EUA.
Para além da influência econômica, há a ideológica. Em 2017, por exemplo, foi realizado na Academia Internacional para aplicação da lei (ILEA), entidade vinculada ao departamento de justiça dos EUA, um curso atinente à lavagem de dinheiro por organizações criminosas. Participaram deste evento, enquanto delegação brasileira, delegados da polícia civil de Goiás, Amazonas, Ceará, Distrito Federal e Rio de Janeiro. Já em 2018, o então diretor-geral da polícia federal viajou aos Estados Unidos da América para discutir medidas cooperativas contra crimes transnacionais.
O destaque dado às táticas de influência dos EUA às polícias brasileiras, justifica-se, pois, esta mesma estratégia foi usada para a intervenção no Ministério Público e no judiciário.
Através de documentos disponibilizados pelo site wikileaks, descortina-se o projeto Pontes: Construindo pontes para a aplicação da lei no Brasil. O encontro realizado em 2009, no qual estiveram presentes juízes federais de 26 estados da federação, incluindo Sérgio Moro, 50 agentes da Polícia Federal e 30 autoridades estaduais, dentre promotores e juízes, insere-se como parcela do mencionado projeto, que buscava um novo conceito de treinamento.
Conforme mensagem oficial vazada pelo site, revela-se a vontade dos participantes em receber mais treinamentos, especialmente em relação à coleta de provas, interrogatório e entrevista, habilidades em situação de tribunal e o modelo de força tarefa. Nesse sentido, já se encontram apontamentos para treinamento futuro: deverá ser de longo prazo, coincidindo com a formação de forças tarefa de treinamento; deverá contar com centros urbanos de suporte em Curitiba, São Paulo ou Campo Grande; uma investigação real poderá ser usada como base de treinamento, conferindo aos brasileiros experiência de campo e dando acesso aos especialistas dos EUA para orientação e apoio em tempo real.
O que não se sabe, porém, é qual a extensão do programa. Quantos espaços de treinamento ocorreram? Quais foram os casos reais utilizados como base? Quais autoridades brasileiras e norte-americanas estiveram presentes? O esclarecimento acerca dessa questão é de fundamental importância, uma vez que esclarece as bases ideológicas sob as quais o lawfare está estruturado.
DIAGNÓSTICO DOS ARCABOUÇO LEGAL INTRODUZIDO NO BRASIL PARA OPERAR O LAWFARE.
O Brasil figura dentre os países que têm feito alterações substanciais em suas legislações relacionadas ao combate à corrupção. No ano 2000, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, algumas mudanças foram operadas após a promulgação da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.
No entanto, as modificações mais profundas ocorreram 13 anos depois. A promulgação da lei n. 12.850/2013 representa o ápice desse processo, tipificando os crimes de organização criminosa e de obstrução da justiça, tornando possível, ainda, a utilização de delações premiadas e de mecanismos altamente invasivos.
No mesmo sentido, a lei da ficha limpa (Lei complementar n. 135/2010) vem sendo estrategicamente utilizada para viabilizar o lawfare, na medida que tem o condão de impedir a disputa eleitoral.
Desse modo, a identificação do arcabouço legal que facilita a operação do lawfare no Brasil é outra medida necessária para a neutralização desta prática.



