Os gestores das grandes cidades brasileiras assumiram seus mandatos neste 1º de janeiro com a responsabilidade de enfrentar o grave passivo da morbimortalidade no trânsito urbano brasileiro em caráter de urgência, mas não possuem um mínimo de coerência quando o caso exige decisão. Ou melhor, sabem o que fazer, mas dissimulam rumo ao discurso vazio, quando não imputam fortuidades ou coisas do gênero para explicar essa desgraça nacional.
Trata-se de omissão explícita, pois está na ação política dos prefeitos a resposta mais adequada pra que resultados apareçam o quanto antes, afinal predominam nas cidades a ocorrência desses adversos números.
Dados divulgados pelo relatório intitulado “Retrato da Segurança Viária no Brasil”, fechado com números de 2014, dentre outros fatores determinados, indicam, por exemplo, que o excesso de velocidade e o avanço de semáforo nas cidades estão entre os dois mais indiscutíveis fatores que justificam a maioria das 45 mil mortes/ano e aproximadamente 200 mil feridos graves/ano.
Ao que consta da legislação vigente, quem define as políticas públicas de estrutura e circulação viárias são as Prefeituras. Controlar a velocidade dos veículos e inibir os avanços de semáforos são atribuições do órgão executivo municipal de trânsito. E somente há uma solução de curto prazo pra estancar essa sangria desatada: reduzir e controlar as velocidade dos veículos, e fiscalizar rigorosamente os avanços de semáforos. Não há segredo, o conceito é universal e onde foi adotado, sem demagogia ou devaneios, deu certo!
Vivo exemplo desta política é a Rua 90 (Goiânia), reconhecida como via pública modelo de “traffic calming” nos vários fóruns de debates nacionais sobre violência no trânsito. Medidas adotadas pela gestão de Pedro Wilson em 2003/2004, com fiscalização rigorosa, pouparam a vida de oito pessoas/ano com redução de feridos em 280/ano para 16/ano.
A cidade de São Paulo igualmente experimenta desde 2014 essa estratégia quando a gestão do prefeito Fernando Haddad interveio nas marginais Tietê e Pinheiros. Formulação, implementação, monitoramento e avaliação, articuladas, comprovaram com números inquestionáveis que a fiscalização eletrônica foi elemento fundamental para que as velocidades reduzidas fossem respeitadas e, consequentemente, excelentes resultados fossem alcançados: 74% de redução de mortes e lesões em dois anos.
O que há em comum nesses dois exemplos? Prefeitos que sucederam essas duas gestões, respectivamente em 2005 e 2016 com discursos fáceis de campanha eleitoral contra a pretensa “indústria da multa” ameaçaram retomar as velocidades anteriores e relativizar a fiscalização eletrônica. No caso de Goiânia, ficou na ameaça. No caso de São Paulo, assistimos à encruzilhada do prefeito João Dória entre dar satisfação às suas demagógicas promessas de campanha e reconhecer que os números são infalivelmente favoráveis à proteção da vida.
Excesso de velocidade é um dos principais problemas de segurança viária, todos o sabem. A Organização Mundial da Saúde/OMS, com base em estudos de engenharia de trânsito e experiências avaliadas mundo afora, estima que a redução em 5% na velocidade média dos veículos leva a uma queda de 10% nos acidentes envolvendo lesões e à redução de 20% nos impactos com óbitos.
Fiscalização eletrônica em cruzamentos semaforizados, igualmente comprova redução em 90% de acidentes viários urbanos.
Importante anotar que substantiva parte dos recursos destinados à saúde e previdência públicas é absorvida pelo atendimento de urgência e reabilitação de acidentados no trânsito. Em 2003, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas/Ipea e a Associação Nacional de Transportes Públicos/ANTP descobriram que os impactos socioeconômicos dos acidentes em vias municipais custam em média 110 mil reais para cada óbito e 14,2 mil para cada vítima lesionada.
Esses valores, corrigidos para 2013 a partir do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e multiplicados pelo número de vítimas, chegam ao total próximo de 16,2 bilhões/ano, dos quais 10,7 bilhões com óbitos e 5,4 bilhões com feridos. Para efeito de comparação, conforme o relatório “Retrato da Segurança Viária no Brasil”, esses custos são tão elevados que somente 35 dos mais de 5.500 municípios brasileiros possuem PIB superior a 16,2 bilhões.
É fato! A curto prazo o cometimento de infrações deve ser enfrentado urgente e permanentemente por tecnologias que permitam ao Estado cumprir com eficiência o seu dever de inibir condutas irregulares de motoristas perigosos, se não para restringi-los na liberdade quando cometem crimes, ao menos se lhes ameaçando as economias, quando cometem infrações gravíssimas que levam à morte milhares de pessoas.
O remédio dói. Mas funciona e salva!