A partir das eleições municipais de 2016, os 5.570 municípios brasileiros têm novos desafios a enfrentar nos próximos quatro anos. A construção coletiva de cidades mais justas exige planejamento e organização, com o envolvimento de todos os seus atores; necessita da compreensão de sua complexidade e diversidade para a construção de espaços municipais equitativos e sustentáveis.
Como reflexo das relações sociais e consequência da organização das outras esferas de governo, o modelo de gestão adotado pelos municípios brasileiros gera e reforça desigualdades. A contradição entre a função do gestor e a lógica político-eleitoral reforça a cultura do clientelismo, limitando as prioridades de prefeitos e vereadores a estratégias eleitoreiras de atuação.
As elites locais pressionam e controlam os investimentos e tendem a gerir os recursos. A gestão pública precisa compreender que suas ações se dão no âmbito de um jogo social e político de contradições.
Considerar a participação comunitária como ferramenta de administração, possibilita a tomada de decisões que envolvem os diferentes aspectos sociais, econômicos e ambientais. E amplia a visão para estabelecer prioridades que possibilitem a superação das dificuldades e o desenvolvimento das potencialidades do município e da sua gente. É esse jogo que consolida a democracia.
A democracia participativa exige que a prestação de contas pelos governantes ao povo soberano deve ser deliberativa e contínua. O desafio da gestão é incentivar e garantir nas instituições uma cultura política que promova o debate, o entendimento e o envolvimento político exigidos para a efetivação da participação e do controle social.
Os conselhos municipais de direitos são importantes instrumentos para uma gestão democrática. Esses espaços estimulam a contribuição e a corresponsabilidade, comprometendo autoridades e munícipes com a coletividade, com o pensar e planejar com a consciência do todo e do diverso.
A definição das primazias com origem em um processo de negociação em torno de uma agenda trazida pelos atores sociais e que estabeleça a ordem de importância das ações é fundamental para o exercício da participação cidadã.
Criar mecanismos de acompanhamento é outro instrumento que divide responsabilidades e compromete autoridades e população com o desenvolvimento das políticas e programas definidos. O processo de orçamento participativo é importante nesse momento.
O gestor público municipal também é desafiado a estabelecer estratégias para ações de médio e longo prazos. Reforçar potencialidades, vocações e identidades na perspectiva do desenvolvimento local sustentável com o uso racional dos recursos naturais, investimentos em serviços de infraestrutura e iniciativas de valorização sociocultural fortalece o município e inclui seus cidadãos.
Cabe também a este desenvolver especialidades para gerir os recursos públicos de forma eficiente, investindo em planejamento, estimulando a criação de consórcios entre municípios para otimizar recursos e ampliar resultados.
O desenvolvimento de parcerias da prefeitura com os vereadores, com organizações sociais locais, como sindicatos, movimentos de sem-terra e sem-teto, igrejas, grêmios estudantis, organizações não governamentais, pode dar o tom para uma administração comprometida com as demandas da comunidade e com soluções coletivas para o enfrentamento das dificuldades.
Outro aspecto fundamental é considerar o equilíbrio entre ações urbanas e rurais, implementando políticas para fortalecer e reconhecer o potencial para o desenvolvimento das áreas rurais.
O processo de urbanização é acelerado. As cidades são construções sociais. As motivações, por meio de políticas adequadas, para que as pessoas possam continuar no campo com plenas condições de vida saudável e bem-estar social devem ser planejadas e articuladas, pois o futuro da cidade está intimamente ligado ao setor rural.
O resgate do Programa Territórios da Cidadania, implantado no Governo Lula, é fundamental para tratar as questões não urbanas. O Programa tem como objetivo “promover e acelerar a superação da pobreza e das desigualdades sociais no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento territorial sustentável”.
É evidente que a gestão pública municipal está se tornando cada vez mais complexa devido à diversidade de temas a serem tratados e dos atores envolvidos com as políticas públicas. Para dar conta de tudo isso, é preciso investir na criação de uma equipe de gestores comprometida com as políticas públicas municipais e preparada para tratar com pessoas.
O desenvolvimento de competências básicas que atendam à complexidade da administração do município, assegurando a qualidade dos serviços prestados à população, é fundamental. Para garantir essa competência, é preciso investir na qualificação e valorização dos servidores públicos, ofertando uma formação comprometida com a construção de formas mais democráticas de relação entre a administração municipal e a sociedade.
Essa formação precisa dar espaço à discussão sobre como superar práticas tradicionais de clientelismo e corporativismo, ou mesmo da costumeira burocracia, que em geral é antidemocrática. Uma iniciativa importante são os cursos de especialização em Gestão e Políticas Públicas, promovidos pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Unicamp. Em modalidade semipresencial, são ofertados a dirigentes públicos, parlamentares e lideranças de organizações sociais.
O município precisa ser construído com enfoques humanos, desenhados, pensados e repensados de maneira participativa, considerando suas diversidades e com a perspectiva da sustentabilidade. Quem transforma nossos municípios somos nós, cidadãos e cidadãs que o habitamos.
De nós depende que possamos viver em espaços nos quais assumamos responsabilidades coletivas para construir cidades menos fragmentadas e segregadas e mais coesas, com menos espaços fechados e privilegiados e mais áreas de convivência.
Devemos efetivamente decidir que queremos viver solidariamente, em uma cidade que seja espaço de humanização, inclusiva e que contemple uma cidadania que tenha protagonismo para impulsionar transformações para um desenvolvimento municipal e nacional mais justo.
Nesse mundo globalizado, resgatemos Tolstoi: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”.
E reafirmamos: Mudar o mundo a partir da aldeia. A cidade é da cidadania!