O Código de Trânsito Brasileiro/CTB é uma bela intenção, ainda que lhe falte o respeito de quem deveria zelar por seu cumprimento em defesa da vida. Não os condutores e pedestres que são sua finalidade, mas o próprio governo que lhe subverte os objetivos.
Com 19 anos incompletos, ainda hoje estão inconclusas diversas das cláusulas do CTB, pendentes de regulamentação, e muito pouco foi feito para que melhor sejam aplicados seus preceitos, de sorte a evitar a grave morbimortalidade que leva o país à quinta nação do planeta no quesito violência em números absolutos.
E eis que os governos estaduais tiveram uma “boa ideia” com o vilipendiado CTB, fazendo deste limão a limonada necessária para atenuar a inadimplência com o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores/IPVA.
Pegaram emprestado o CTB, distorceram seu artigo 230 no que diz respeito à apreensão do veículo, quando não esteja registrado e devidamente licenciado, e criaram “batalhões de polícia (PM) fazendária” para realizar blitze destinadas a reprimir os inadimplentes com o imposto.
Ocorre que a apreensão prevista no CTB não se refere ao imposto não pago, mas ao licenciamento não atualizado, cuja expedição não é possível sem a quitação do IPVA. Ou seja, a fiscalização de documentos de porte obrigatório é de competência da polícia de trânsito, não da inusitada “polícia fazendária”, cuja razão de ser é reprimir cidadãos com impostos não pagos. São duas coisas distintas: inadimplência com impostos e porte obrigatório de documentos para circulação viária.
A doutrina determina que apreensão é confisco, ação de se apropriar legalmente de alguma coisa, no caso aqui representado, o veículo cujo proprietário esteja inadimplente com a receita. Subversão explícita, pois a Constituição Federal veda utilizar tributo com efeito de confisco. Está escrito lá no seu artigo 150, inciso IV. Ou IPVA não é tributo? Eis a questão!
Os tecnocratas são inteligentes. Compreendem que o veículo automotor é o bem patrimonial mais valioso para o cidadão brasileiro, mais que a casa, a escola, o trabalho, a saúde. Uma celeuma cultural que somente a variante “educação” haverá de corrigir. Por isso, descobriram a roda novamente, fazendo desta anomalia antropológica uma moeda valiosa para fazer jus à sua razão de ser: arrecadar.
Pagar impostos é obrigação cidadã, e se lhe faltar o cidadão deve o Estado reprimir. Porém, o problema aqui estabelecido não corresponde a qualquer tipo de inconfidência que justifique o destino de Tiradentes. A inadimplência do pagamento do IPVA, que é questão de receita fazendária, impede a emissão do registro e licenciamento para o veículo circular, que é questão de trânsito. Não deve, portanto, ser justificativa legal para a consumação do confisco, ou o enforcamento de quem quer que seja.
Isto é, quando o governo se utiliza do CTB para obrigar o pagamento de tributo é o mesmo que pedir emprestada a corda do vizinho para enforcar o próprio por descabido propósito. Subversão e inversão de finalidades explícitas!
Você sabia?
Blitze é a abreviação da palavra alemã BLITZKRIEG, que significa “guerra relâmpago” e se tornou muita conhecida por ocasião da Segunda Guerra Mundial. A palavra tem sido usada com o sentido de batida policial feita de improviso e com grande aparato. Em vez de dizer que a polícia fez uma batida, diz-se que ela fez uma blitze. (Fonte: Jovempan)