Ecologia integral: Grito da Terra – Grito dos Pobres
É a primeira vez que um Papa aborda o tema da ecologia no sentido de uma ecologia integral (portanto, que vai além da ambiental) de forma tão completa. Grande surpresa: elabora o tema dentro do novo paradigma ecológico, coisa que nenhum documento oficial da ONU até hoje fez.
Seu discurso [traz] os dados mais seguros das ciências da vida e da Terra. Lê os dados afetivamente (com a inteligência sensível ou cordial), pois discerne que por detrás deles se escondem dramas humanos e muito sofrimento também por parte da mãe Terra. A situação atual é grave, mas o Papa Francisco encontra razões para a esperança e para a confiança de que o ser humano pode encontrar soluções viáveis.
Algo novo: o texto se inscreve dentro da colegialidade, pois valoriza as contribuições de conferências episcopais do mundo inteiro que vão dos USA, da Alemanha, do Brasil, da Patagônia-Camauhe até do Paraguai, (…) e acolhe contribuições de outros pensadores como dos católicos Pierre Teilhard de Chardin, Romano Guardini, Dante Alighieri, Juan Carlos Scannone, do protestante Paul Ricoeur e do muçulmano sufi Ali Al-Khawwas.
Por fim, os destinatários são todos os seres humanos, pois todos são habitantes da mesma casa comum (palavra muito usada pelo Papa) e padecem das mesmas ameaças.
[A Encíclica] revela a “forma mentis” (a maneira de organizar seu pensamento) de Francisco, tributário da experiência das igrejas latino-americanas que, à luz dos documentos do episcopado latino-americano (CELAM) de Medellin (1968), de Puebla (1979) e de Aparecida (2007) fizeram uma opção pelos pobres, contra a pobreza e em favor da libertação.
Os temas da “casa comum”, da “mãe Terra”, do “grito da Terra”, do “cuidado”, da “interdependência entre todos os seres e do valor intrínseco de cada ser”, dos “pobres e vulneráveis e da mudança de paradigma do ser humano como Terra” que sente, pensa, ama e venera, da “ecologia integral”, entre outros, são recorrentes entre nós.
[A Carta] revela sua fonte de inspiração maior: São Francisco de Assis, “exemplo por excelência de cuidado e de uma ecologia integral e que mostrou uma atenção especial aos pobres e abandonados” (…) e incorpora os dados mais consistentes [das] mudanças climáticas, [da] questão da água, [da] erosão da biodiversidade, à deterioração da qualidade da vida humana e à degradação da vida social, denuncia a alta taxa de iniquidade planetária, afetando todos os âmbitos da vida, sendo que as principais vítimas são os pobres.
Condena a proposta de internacionalização da Amazônia que “apenas serviria aos interesses das multinacionais”. Há uma afirmação de grande vigor ético: “é gravíssima iniquidade obter importantes benefícios fazendo pagar o resto da humanidade, presente e futura, os altíssimos custos da degradação ambiental”.
Com tristeza reconhece: “nunca temos ofendido nossa casa comum como nos últimos dois séculos”. [Ante a] ofensiva humana contra a mãe Terra [denunciada por] muitos cientistas como a inauguração de uma nova era geológica – o antropoceno –, lamenta a debilidade dos poderes deste mundo que, iludidos, “pensam que tudo pode continuar como está” como álibi para “manter seus hábitos autodestrutivos” com “um comportamento que parece suicida”.
O desafio urgente, então, consiste em “proteger nossa casa comum” e para isso precisamos, citando o Papa João Paulo II: “de uma conversão ecológica global”; “uma cultura do cuidado que impregne toda a sociedade”.
A Encíclica (…) analisa “a raiz humana da crise ecológica” [abordando] a tecnociência sem preconceitos, acolhendo o que ela trouxe de “coisas preciosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano” [admitindo, porém, que] ela se independizou, submeteu a economia, a política e a natureza em vista da acumulação de bens materiais.
Ela parte de um pressuposto equivocado, que é a “disponibilidade infinita dos bens do planeta”, quando sabemos que já encostamos nos limites físicos da Terra e grande parte dos bens e serviços não são renováveis.
A grande ilusão, hoje dominante, reside na crença de que com a tecnociência se podem resolver todos os problemas ecológicos. Essa é uma diligência enganosa porque “implica isolar as coisas que estão sempre conexas”. Na verdade, “tudo é relacionado – tudo está em relação”, afirmação que perpassa todo o texto da Encíclica (…), pois é um conceito-chave do novo paradigma contemporâneo.
O grande limite da tecnocracia está no fato de “fragmentar os saberes e perder o sentido de totalidade”. O pior é “não reconhecer o valor intrínseco de cada ser e até negar um peculiar valor do ser humano”. O valor intrínseco de cada ser, por minúsculo que seja, é permanentemente enfatizado pela encíclica, como o faz a Carta da Terra.
O desvio maior produzido pela tecnocracia é o antropocentrismo moderno. Seu pressuposto ilusório é que as coisas apenas possuem valor na medida em que se ordenam ao uso humano, esquecendo que sua existência vale por si mesmo. Se é verdade que tudo está em relação, então, “nós seres humanos somos unidos como irmãos e irmãs e nos unimos com terno afeto ao irmão Sol, à irmã Lua, ao irmão rio e à mãe Terra”.
O texto se abre para uma visão evolucionista do universo, sem usar a palavra, mas fazendo um circunlóquio, referindo-se ao universo “composto por sistemas abertos que entram em comunhão uns com os outros”. Utiliza (…) textos que ligam Cristo encarnado e ressuscitado com o mundo e com todo o universo, tornando sagrada a matéria e toda a Terra. Cita P. Teihard de Chardin (1881-1955) como precursor dessa visão cósmica e propõe uma “ecologia integral”, que vai além da costumeira ecologia ambiental. Recobre todos os campos, o ambiental, o econômico, o social, o cultural, o espiritual, e também a vida cotidiana.
Atém-se aos grandes temas da política internacional, nacional e local. Sublinha a interdependência do social e do educacional com o ecológico e constata lamentavelmente os constrangimentos que o predomínio da tecnocracia traz, dificultando mudanças que refreiam a voracidade da acumulação e do consumo e que podem inaugurar o novo. Retoma o tema da economia e da política que devem servir ao bem comum e criar as condições de uma plenitude humana possível.
Desafia a educação no sentido de criar a “cidadania ecológica” e um novo estilo de vida, assentado sobre o cuidado, a compaixão, a sobriedade compartida, a aliança entre a humanidade e o ambiente, pois ambos estão umbilicalmente ligados, a corresponsabilidade por tudo o que existe e vive e pelo nosso destino comum.
Por fim, o momento do celebrar. A celebração se realiza num contexto de “conversão ecológica” que implica uma “espiritualidade ecológica”, [que] se deriva não tanto das doutrinas teológicas, mas das motivações que a fé suscita para cuidar da casa comum e “alimentar uma paixão pelo cuidado do mundo”.
O espírito terno e fraterno de São Francisco de Assis perpassa todo o texto da encíclica Laudato sí. A situação atual não significa uma tragédia anunciada, mas um desafio para cuidarmos da casa comum e uns dos outros. Há no texto leveza, poesia e alegria no Espírito e inabalável esperança de que se grande é a ameaça, maior ainda é a oportunidade de solução de nossos problemas ecológicos.
Termina, poeticamente com as palavras “para além do Sol”, dizendo: “Caminhemos cantando. Que nossas lutas e nossas preocupações por esse planeta não nos tirem a alegria da esperança”.
Apraz-me terminar com as palavras finais da Carta da Terra que o próprio Papa cita: “Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade e pela intensificação no compromisso pela justiça e pela paz e pela alegre celebração da vida”.
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